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  • Foto do escritorJornal Invicto

Parir em mãos alheias

Atualizado: 20 de jan. de 2022

O conceito de violência obstétrica ainda é bastante ambíguo e está a passar por uma operação de normalização, em que os utensílios são distintos em todos os partos, de todas as mulheres. Começou por se desenvolver este termo em 2007, na Venezuela, como a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres.

Fotografia: Manuel Roberto

Para Sónia Barbosa, enfermeira parteira especializada em Saúde Pública e Obstetrícia, o conceito de violência obstétrica, apesar de ainda não estar definido no mundo científico, “pode ser entendido como qualquer violência a que mulher esteja sujeita, durante o ciclo gravídico puerperal”, ou seja, na gravidez até ao pós-parto, incluindo, por exemplo, consultas pré-concecionais e de infertilidade. Defende que esta violência está relacionada “com protocolos, normas e procedimentos que, muitas vezes, não têm evidência científica, mas são procedimentos de rotina institucionalizados” que os profissionais dizem e acreditam que têm de cumprir.

No entanto, violência obstétrica é um termo que se transforma e que se acomoda de maneira distinta nos países desenvolvidos e não-desenvolvidos. “Aqui em Portugal, nós falamos do excesso de intervenções, o excesso de cuidados, tudo é muito cedo, tudo muito precoce. Noutros países há mulheres que não têm sequer acesso a cuidados de saúde pessoal”, afirma Vânia Simões, jurista e membro da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez (APDMG). Vânia acrescenta ainda que “É um pouco complicado estabelecermos um conceito que acaba por agradar todas estas realidades”.


No parecer da Ordem dos Médicos, a julho de 2021, em resposta às recentes acusações por parte de centenas de mulheres, os mesmo defendem que “o termo não se adequa à realidade que se vive nestes países; lança alarme, medo e desconfiança sobre as grávidas e as suas famílias". É uma expressão de difícil flexibilidade, que não parece ser uniforme para todas as realidades existentes. Alexandrina Mendes, médica especialista em Ginecologia e Obstetrícia, admite que numa fase inicial teve uma reação semelhante, no sentido de considerar o termo “muito agressivo para as práticas que são feitas e que não são intencionais”.


A obstetra reforça ainda que o facto da Organização Mundial da Saúde ter emitido recomendações, para uma experiência de parto positiva expõe o impacto do problema a nível mundial.



A agravante pandémica

A pandemia agravou esta situação e fez com que mais mulheres falassem abertamente sobre as suas experiências negativas. “Houve hospitais portugueses que, além de limitarem o acompanhante, que é um direito legal e não estava revogado na lei, ainda obrigaram as mulheres a ter partos induzidos ou cesarianas, sem nenhuma justificação, a não ser conveniência profissional”, por ser uma cirurgia planeada, expôs Sónia Barbosa. A enfermeira acrescenta que vai, consequentemente, ter uma repercussão na saúde mental de mães e bebés.


“Nós vamos pagar esta fatura em termos de sociedade.”

“Infelizmente houve, sem dúvida, mais violência obstétrica nestes dois anos de pandemia”, admite Alexandrina. A obstetra refere ainda que trabalhou num hospital em que apenas faziam cesarianas a todas as mulheres que tivessem testado positivo com o vírus, para evitar uma situação de emergência em que pudesse haver complicações no parto. O hospital optou por submeter as mulheres a uma cirurgia que podia agravar a patologia, apenas “a pensar na possibilidade de uma coisa muito pouco provável acontecer, […] e isso é violência”.




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