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  • Foto do escritorInês Cristina Silva

A legalização da liberdade à morte, uma vez mais, adiada

Atualizado: 18 de jan. de 2022

Em menos de um ano, o Presidente da República vetou duas vezes a lei da despenalização de morte medicamente assistida, em prol do “sentimento valorativo dominante na sociedade portuguesa”.

Foto: António Pedro Santos / Lusa

Marcelo Rebelo de Sousa tinha, novamente, três opções: promulgar, vetar, ou pedir novamente a fiscalização ao Tribunal Constitucional. O Presidente da República tomou depressa a decisão e, no dia 29 de novembro, vetou o diploma.


Esta segunda versão para “além de introduzir alterações para fazer face à decisão e à argumentação do Tribunal Constitucional, aproveita para aditar novas normas, que suscitam inesperadas perplexidades”, disse o chefe de Estado.


Ao devolver o diploma à Assembleia da República, o Chefe de Estado formulou duas solicitações:


  1. "Que clarificasse o que parecem ser contradições no diploma quanto a uma das causas do recurso à morte medicamente assistida. O decreto mantém, numa norma, a exigência de «doença fatal» para a permissão de antecipação da morte, que vinha da primeira versão do diploma. Mas, alarga-a, numa outra norma, a «doença incurável» mesmo se não fatal, e, noutra ainda, a «doença grave». O Presidente da República pede que a Assembleia da República clarifique se é exigível «doença fatal», se só «incurável», se apenas «grave».

  2. A deixar de ser exigível a «doença fatal», o Presidente da República pede que a Assembleia da República responda a alteração verificada, em cerca de nove meses, entre a primeira versão do diploma e a versão atual, correspondendo a uma mudança considerável de ponderação dos valores da vida e da livre autodeterminação, no contexto da sociedade portuguesa.”


“Seria constitucional, mas sinal de desrespeito, usar os prazos conferidos pela Constituição e decidir já depois de a Assembleia da República se encontrar dissolvida”

O Presidente da República acrescentou ainda que não enviou o diploma para o Tribunal Constitucional por existirem “prévias aparentes incongruências de texto a esclarecer”. Na sua explicação do veto ao parlamento, o antigo professor de Direito Constitucional, defende que a sua decisão não tem qualquer abrange “qualquer posição religiosa, ética, moral, filosófica ou política pessoal – que essa seria mais critica”. Esclarece que o seu juízo passa pelo “sentimento valorativo dominante na sociedade portuguesa”.


Por fim, a sua rapidez na tomada de decisão deveu-se a “uma questão de respeito institucional”: “Seria constitucional, mas sinal de desrespeito, usar os prazos conferidos pela Constituição e decidir já depois de a Assembleia da República se encontrar dissolvida”, escreveu.


A lei da Eutanásia tinha sido aprovada, pela segunda vez, no dia 5 de novembro de 2021, com 138 votos a favor, 84 contras e 5 abstenções, sendo que estavam presentes 227 deputados.


Os deputados carregaram no acelerador e entregaram o diploma acompanhado com um novo texto que inclui uma lista de conceitos e respetivas definições. Entre elas: sofrimento, eutanásia, suicídio medicamente assistido, doença grave ou incurável, lesão definitiva de gravidade extrema.


Manteve-se a limitação de acesso à eutanásia a cidadãos nacionais ou legalmente residentes em território nacional, com a possibilidade de revogarem, livremente e a qualquer momento, o pedido.


Assim como em janeiro, votaram a favor maior parte dos deputados do PS, como o BE, PAN e PEV, o deputado da IL e as duas deputadas não-inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues. Também a favor votaram 13 deputados do PSD, incluindo o presidente do partido Rui Rio e, praticamente, toda a direção.


Em oposição, maior parte do PSD votaram contra, como a bancada do PCP e a do CDS, e o deputado do Chega. Sete deputados do PS votaram, uma vez mais, contra.


Na abstenção, mantiveram-se os socialistas Nuno Fazenda e João Azevedo e, da bancada social-democrática, Ofélia Ramos. Do PSD Lina Lipes, Adão Silva, que em janeiro tinham votado a favor, optaram por se abster devido ao timing para a votação destas alterações.


Comparação do número de votos de janeiro e novembro de 2021 para a aprovação da lei da eutanásia, em Portugal. Em novembro compareceram 227 deputados.



O início do "vai e vem"

No dia 29 de janeiro de 2021, o Parlamento aprovou a despenalização de morte medicamente assistida. A lei da eutanásia foi aprovada com 136 votos a favor, 78 contra e 4 abstenções.


Uma vez aprovado, o diploma seguiu para Marcelo Rebelo de Sousa que o enviou para o Tribunal Constitucional, "considerando que recorre a conceitos excessivamente indeterminados”, lê-se numa nota da Presidência da República. Segundo a Constituição, o Chefe de Estado pode pedir ao Tribunal Constitucional a apreciação e fiscalização preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de um decreto que lhe tenha sido enviado para promulgação.


“O direito à vida não pode transfigurar-se num dever de viver em qualquer circunstância”

Dois meses esperançosos caíram no desânimo quando o Tribunal Constitucional, no dia 15 de março de 2021, declarou a lei inconstitucional. Os juízes determinaram o conceito de “lesão definitiva de gravidade extrema”, “extremamente indeterminado”. De acordo com o consenso científico, o termo é impreciso por não permitir “delimitar, com o indispensável rigor, as situações da vida em que pode ser aplicado".


Contudo, mantiveram as portas abertas para o Parlamento legislar sobre o assunto: “o direito à vida não pode transfigurar-se num dever de viver em qualquer circunstância”, declarou João Caupers, presidente do Tribunal Constitucional, na leitura pública da decisão. Impuseram que para a questão da eutanásia, as leis teriam de ser “claras, precisas, antecipáveis e controláveis”, acrescentou o Presidente do tribunal. Após esta decisão, o Presidente da República vetou a lei por inconstitucionalidade.

Ilustração: Inês Cristina Silva
Cronologia de eventos relativos à legalização da eutanásia, em Portugal.

Devido à dissolução da Assembleia da República, o assunto agora só poderá ser debatido pela próxima composição parlamentar. Caberá a eles decidir se confirmam a versão aprovada de 5 de novembro. Basta apenas 116 deputados votarem nesse sentido (maioria absoluta), contudo, caso isso não aconteça, voltaremos, pela terceira vez, no espaço de um ano, à estaca zero.


Artigo escrito por: Inês Cristina Silva

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